Expresso das Ilhas – Foi lançado há dias, no Mindelo, o projecto “Uma Estátua para Nhô Roque”. Quando é que arranca?
Leão Lopes – O projecto foi concebido há já algum tempo, porque a Associação Monumento a Nhô Roquejá há algum tempo que está a trabalhar. Em termos técnicos, toda a parte conceptual da arquitectura e artística já foi concebida e a parte orçamental também. Aguarda-se neste momento apenas o que deve vir a seguir que são as possibilidades da sua concretização.
Que depende de…
Do financiamento. Estamos todos empenhados para garantir esse financiamento e estamos também certos de que vamos homenagear Nhô Roque à altura que ele merece lá em São Vicente. Em termos financeiros, embora não dispondo dos dados certos, penso que só para aquela componente da estátua em si com o seu enquadramento não deverá ultrapassar os seis mil contos. Agora, tem uma extensão que completa o memorial que é uma plataforma que liga a marginal e um pouco daquela praia, exactamente onde ele foi atropelado mortalmente [em 1984]. Não está orçamentado ainda, mas também não pesa muito para a dimensão da obra que se pretende fazer. A nossa proposta é envolver instituições, empresas interessadas em ver esta obra concretizada e fazer todo o projecto de uma vez.
Na verdade este projecto remonta dos anos 80.
Repare, nos anos 80 deu-se um grande passo, porque se conquistou um espaço urbano importante junto da Aveni
da Marginal, onde se edificou a Praça Nhô Roque que é um equipamento da cidade muito conseguido. A Câmara Municipal de São Vicente fez ultimamente uma grande intervenção, dando-lhe uma dimensão interessante como parque infantil. É uma praça que, de facto, dignifica São Vicente. Só faltava, efectivamente, do que foi projectado na altura, o elemento monumental que completaria o conjunto. Agora houve felizmente essa iniciativa da Associação Monumento a Nhô Roque para se completar o projecto.
O projecto da estátua é da sua autoria. Apresenta Nhô Roque a ler um livro. Digamos que não corresponde à ideia que temos de uma estátua no sentido tradicional.
Trata-se de uma concepção monumental, no sentido em que tem uma dimensão maior que nós. Projectamos monumentos para interpretar, neste caso, um homem como Nhô Roque a uma dimensão que não é vulgar. O monumento vem daí. De facto, não é tradicional a abordagem possivelmente artística, ou escultórica, porque infelizmente ainda não temos uma tradição cabo-verdiana na área da escultura de utilizar os nossos materiais, por exemplo, a pedra, o que é a nossa proposta. Vamos trabalhar com dois basaltos: o basalto verde e o basalto negro. É um desafio grande em termos técnicos, porque são materiais mais duras e exigem equipamentos e ferramentas especiais para se poder trabalhar, para além da capacidade das pessoas que vão estar envolvidas na elaboração da obra.
Qual o simbolismo que quis impregnar nesta obra?
Qualquer obra que se pretenda que tenha algum valor artístico, a força dela será sempre simbólica, independentemente do seu conseguimento técnico e de outras questões. Tem que ter uma alma dentro. Isto é que os criadores procuram. Umas vezes conseguimos bem, outras vezes não conseguimos tão bem. Oxalá a gente consiga com Nhô Roque alguma coisa que seja interessante.
Como é que espera que os cabo-verdianos e sobretudo os mindelenses venham a aceitar a sua abordagem artística na estátua de Nhô Roque?
Isso é um grande risco de qualquer autor. Primeiro, o monumento, em princípio, deve dialogar com o público. O público tem várias dimensões na percepção da possível obra de arte. Muitas vezes até um monumento público não tem que ser uma obra de arte; podemos mesmo pretender que não seja uma obra de arte, que tenha apenas um significado político, ou um significado corporativo. Mas quando há uma pretensa vontade, ou determinação de ser uma obra de arte é complicado, porque a obra de um autor é uma obra supostamente livre. Se ele pretende que a sua obra seja apropriada pelo público em geral, ele tem várias abordagens: ou uma abordagem de autor, fechada, e correr o risco; ou uma abordagem talvez menos fechada por forma a que o público em geral possa apreender a obra como objecto de interesse artístico. Nesta área costumo alargar a minha responsabilidade de autor, porque quero que as pessoas, de facto, se aproximem da obra. Utilizo uma linguagem figurativa, mesmo uma perspectiva contemporânea precisamente para tentar atingir isso. Mas nunca se sabe, corremos sempre o risco de alguém dizer num primeiro impacto ‘eu não gosto disso’. Já me aconteceu, e penso que todos nós já tivemos esse tipo de experiência. E agora, o que a gente vai fazer?
Ao observar o seu projecto ocorreu-me Auguste Rodin. Sente essa influência?
Não sei. Gosto imenso de Rodin naturalmente. Rodin é uma das grandes referências contemporâneas para nós. Não procuro. Cada projecto é um projecto e acaba por ter o seu caminho próprio.
Tem-se dedicado à escultura monumental, sendo da sua autoria as estátuas de Baltasar Lopes e Jorge Barbosa. Fale-nos dessas duas experiências.
A estátua de Baltasar Lopes já tem vários anos. Acho que é de 2007. Foi uma iniciativa, na altura, do presidente da Câmara Municipal de São Nicolau, Amilcar Spencer Lopes, que pretendeu homenagear Baltasar Lopes por ocasião do seu centenário. Aí, mais uma vez, trabalhei com o arquitecto José Gomes: projectamos uma praça e nesta praça um objecto escultórico que foi Baltasar Lopes. Foi interessante, deu-me um prazer imenso; houve todas as condições para se trabalhar e bem. E a estátua lá está. De vez em quando passo lá, vou cumprimentar o Baltasar Lopes em pedra. Creio que o objecto é acarinhado; pelo menos as notícias que me chegam dão conta que as pessoas gostam, embora haverá outras que não gostem. Em relação a Jorge Barbosa a sua estátua vai ser inaugurada no dia 7 de Junho, em Portugal. É uma iniciativa da Câmara Municipal de Oeiras. Este monumento está inserido na segunda parte do Parque dos Poetas em que foram seleccionados poetas, escritores e outras figuras de países lusófonos. Escolheram a mim para fazer a estátua de Jorge Barbosa. Aceitei e fiz o trabalho com todo o material cabo-verdiano. Foi um trabalho de peso também, porque foi necessário carregar muita pedra de Cabo Verde para Portugal. Sob o ponto de vista técnico e logístico correu muito bem. Eu não sei se está bem porque ainda não vi o monumento montado. Deixei lá tudo em peças, mas já há meses que já está montado na praça Jorge Barbosa, porque o jardim se organiza como praças: cada autor eleito tem a sua praça e Cabo Verde tem lá a sua praça por via de Jorge Barbosa. Espero que esteja bem.
Tem mais projectos escultóricos na agenda?
Não, neste momento não tenho nada previsto, porque, como sabe, essas iniciativas nunca são do autor. São iniciativas públicas, institucionais ou corporativas e em Cabo Verde não temos também esse hábito. Para fora do país, às vezes há desafios dessa natureza, mas não tenho a vontade de aceitar esses desafios, porque não é fácil trabalhar a partir daqui. Nestas circunstâncias temos que viajar muito e tenho outras responsabilidades no país que condicionam às vezes a vontade de participar nesses convites. Mas em Cabo Verde é sempre muito mais fácil e seria uma honra para mim fazer mais alguma coisa neste domínio.
Participou em dois projectos monumentais, as estátuas de Baltasar Lopes e de Nhô Roque. Em qual deles se sentiu emocionalmente mais envolvido?
Da mesma forma. Figuras desse tipo, independentemente das relações afectivas que possamos ter com eles e eu convivi com eles no mesmo tempo. O convívio era diferente, porque eram homens com uma dimensão intelectual similar, mas tinham uma relação afectiva com o seu meio que se manifestava de forma diferente. Enquanto quase não era preciso ir à casa de Nhô Roque para falar com ele, porque ele estava em todo o canto, em todos os momentos. Parava nas ruas, entrava na nossa Galeria Alternativa e convivia connosco. O Baltasar [Lopes] nessa época já dificilmente saia de casa; nós é que íamos ter com ele. Quer dizer, Nhô Roque estava muito mais presente na cidade, como figura viva. Nhô Baltas também, mas Nhô Roque estava sempre ali presente, nas ruas, na Matiota, etc. Essa era a diferença da relação afectiva que a cidade tinha, mas com a mesma carga emocional, porque apesar de não vermos muitas vezes o Baltasar, sabíamos que ele estava lá, que estava a acompanhar. Aliás, até mais actuante que Nhô Roque a nível da comunicação, a nível da escrita, etc. Mas acho que o envolvimento é sempre o mesmo independentemente da relação afectiva, mais ou menos perto, para qualquer autor que aceita um desafio desses. É sempre uma honra, para mim, ou para qualquer outro, trabalhar uma obra relativa a um escritor nosso com aquela dimensão. O engajamento afectivo que nos dignifica é o mesmo em qualquer intervenção.