Este blog, UM ESTÁTUA PA NHÔ ROQUE, destina-se a recordar Dr Gonçalves e à partilha de informações, ideias e sugestões acerca da edificação da estátua do Dr António Aurélio Gonçalves na Pracinha "nhô Roque".

segunda-feira, 1 de junho de 2015

ENTREVISTA DE LEÃO LOPES ao Expresso das ilhas

Leão Lopes “Não temos tradição na área da escultura de utilizar os nossos materiais”

Leão Lopes “Não temos tradição na área da escultura de utilizar os nossos materiais”
Foi apresentado na passada sexta­-feira, no Mindelo, o projecto “Uma estátua a Nhô Roque”, como forma de homenagear o escritor e professor António Aurélio Gonçalves, aliás, Nhô Roque, como era carinhosamente tra­tado pelos mindelenses. A autoria do projecto é do professor e artista Leão Lopes que nos dá conta nesta entre­vista que vai utilizar apenas materiais nossos como o basalto verde e o ne­gro. É um desafio grande em termos técnicos e logísticos porque vai ser necessário transportar 20 toneladas de pedra de São Vicente e de São Ni­colau para o local onde vai ser erigido o memorial. Leão Lopes fala ainda dos outros dois projectos escultóricos da sua autoria, nomeadamente a está­tua de Baltasar Lopes, na ilha de São Nicolau e a do poeta Jorge Barbosa que será inaugurada no dia 7 de Ju­nho em Portugal.
    
                                            
Expresso das Ilhas – Foi lançado há dias, no Min­delo, o projecto “Uma Es­tátua para Nhô Roque”. Quando é que arranca?
Leão Lopes – O projecto foi concebido há já algum tempo, porque a Associação Monu­mento a Nhô Roquejá há al­gum tempo que está a traba­lhar. Em termos técnicos, toda a parte conceptual da arquitec­tura e artística já foi concebida e a parte orçamental também. Aguarda-se neste momento apenas o que deve vir a seguir que são as possibilidades da sua concretização.
Que depende de…
Do financiamento. Estamos to­dos empenhados para garantir esse financiamento e estamos também certos de que vamos homenagear Nhô Roque à al­tura que ele merece lá em São Vicente. Em termos financei­ros, embora não dispondo dos dados certos, penso que só para aquela componente da estátua em si com o seu enquadra­mento não deverá ultrapassar os seis mil contos. Agora, tem uma extensão que completa o memorial que é uma platafor­ma que liga a marginal e um pouco daquela praia, exacta­mente onde ele foi atropelado mortalmente [em 1984]. Não está orçamentado ainda, mas também não pesa muito para a dimensão da obra que se pre­tende fazer. A nossa proposta é envolver instituições, empresas interessadas em ver esta obra concretizada e fazer todo o pro­jecto de uma vez.
Na verdade este projecto remonta dos anos 80.
Repare, nos anos 80 deu-se um grande passo, porque se conquistou um espaço urbano importante junto da Aveni­
da Marginal, onde se edificou a Praça Nhô Roque que é um equipamento da cidade muito conseguido. A Câmara Munici­pal de São Vicente fez ultima­mente uma grande interven­ção, dando-lhe uma dimensão interessante como parque infantil. É uma praça que, de facto, dignifica São Vicente. Só faltava, efectivamente, do que foi projectado na altura, o elemento monumental que completaria o conjunto. Agora houve felizmente essa iniciati­va da Associação Monumento a Nhô Roque para se completar o projecto.
O projecto da estátua é da sua autoria. Apresenta Nhô Roque a ler um livro. Digamos que não corres­ponde à ideia que temos de uma estátua no sentido tradicional.
Trata-se de uma concepção monumental, no sentido em que tem uma dimensão maior que nós. Projectamos monu­mentos para interpretar, neste caso, um homem como Nhô Roque a uma dimensão que não é vulgar. O monumento vem daí. De facto, não é tradi­cional a abordagem possivel­mente artística, ou escultóri­ca, porque infelizmente ainda não temos uma tradição cabo­-verdiana na área da escultura de utilizar os nossos materiais, por exemplo, a pedra, o que é a nossa proposta. Vamos tra­balhar com dois basaltos: o ba­salto verde e o basalto negro. É um desafio grande em termos técnicos, porque são materiais mais duras e exigem equipa­mentos e ferramentas especiais para se poder trabalhar, para além da capacidade das pesso­as que vão estar envolvidas na elaboração da obra.
Qual o simbolismo que quis impregnar nesta obra?
Qualquer obra que se pretenda que tenha algum valor artís­tico, a força dela será sempre simbólica, independentemente do seu conseguimento técni­co e de outras questões. Tem que ter uma alma dentro. Isto é que os criadores procuram. Umas vezes conseguimos bem, outras vezes não conseguimos tão bem. Oxalá a gente consiga com Nhô Roque alguma coisa que seja interessante.
Como é que espera que os cabo-verdianos e sobretu­do os mindelenses venham a aceitar a sua abordagem artística na estátua de Nhô Roque?
Isso é um grande risco de qual­quer autor. Primeiro, o mo­numento, em princípio, deve dialogar com o público. O pú­blico tem várias dimensões na percepção da possível obra de arte. Muitas vezes até um mo­numento público não tem que ser uma obra de arte; podemos mesmo pretender que não seja uma obra de arte, que tenha apenas um significado político, ou um significado corporativo. Mas quando há uma pretensa vontade, ou determinação de ser uma obra de arte é compli­cado, porque a obra de um au­tor é uma obra supostamente livre. Se ele pretende que a sua obra seja apropriada pelo pú­blico em geral, ele tem várias abordagens: ou uma aborda­gem de autor, fechada, e correr o risco; ou uma abordagem tal­vez menos fechada por forma a que o público em geral possa apreender a obra como objec­to de interesse artístico. Nesta área costumo alargar a minha responsabilidade de autor, por­que quero que as pessoas, de facto, se aproximem da obra. Utilizo uma linguagem figura­tiva, mesmo uma perspectiva contemporânea precisamente para tentar atingir isso. Mas nunca se sabe, corremos sem­pre o risco de alguém dizer num primeiro impacto ‘eu não gosto disso’. Já me aconteceu, e penso que todos nós já tivemos esse tipo de experiência. E ago­ra, o que a gente vai fazer?
Ao observar o seu projecto ocorreu-me Auguste Ro­din. Sente essa influência?
Não sei. Gosto imenso de Ro­din naturalmente. Rodin é uma das grandes referências contemporâneas para nós. Não procuro. Cada projecto é um projecto e acaba por ter o seu caminho próprio.
Tem-se dedicado à escul­tura monumental, sendo da sua autoria as estátuas de Baltasar Lopes e Jorge Barbosa. Fale-nos dessas duas experiências.
A estátua de Baltasar Lopes já tem vários anos. Acho que é de 2007. Foi uma iniciativa, na altura, do presidente da Câmara Municipal de São Ni­colau, Amilcar Spencer Lopes, que pretendeu homenagear Baltasar Lopes por ocasião do seu centenário. Aí, mais uma vez, trabalhei com o arquitecto José Gomes: projectamos uma praça e nesta praça um objecto escultórico que foi Baltasar Lo­pes. Foi interessante, deu-me um prazer imenso; houve todas as condições para se trabalhar e bem. E a estátua lá está. De vez em quando passo lá, vou cumprimentar o Baltasar Lo­pes em pedra. Creio que o ob­jecto é acarinhado; pelo menos as notícias que me chegam dão conta que as pessoas gostam, embora haverá outras que não gostem. Em relação a Jorge Barbosa a sua estátua vai ser inaugurada no dia 7 de Junho, em Portugal. É uma iniciativa da Câmara Municipal de Oei­ras. Este monumento está inse­rido na segunda parte do Par­que dos Poetas em que foram seleccionados poetas, escrito­res e outras figuras de países lusófonos. Escolheram a mim para fazer a estátua de Jorge Barbosa. Aceitei e fiz o trabalho com todo o material cabo-ver­diano. Foi um trabalho de peso também, porque foi necessário carregar muita pedra de Cabo Verde para Portugal. Sob o ponto de vista técnico e logís­tico correu muito bem. Eu não sei se está bem porque ainda não vi o monumento montado. Deixei lá tudo em peças, mas já há meses que já está montado na praça Jorge Barbosa, por­que o jardim se organiza como praças: cada autor eleito tem a sua praça e Cabo Verde tem lá a sua praça por via de Jorge Bar­bosa. Espero que esteja bem.
Tem mais projectos escul­tóricos na agenda?
Não, neste momento não tenho nada previsto, porque, como sabe, essas iniciativas nunca são do autor. São iniciativas públicas, institucionais ou cor­porativas e em Cabo Verde não temos também esse hábito. Para fora do país, às vezes há desafios dessa natureza, mas não tenho a vontade de acei­tar esses desafios, porque não é fácil trabalhar a partir daqui. Nestas circunstâncias temos que viajar muito e tenho outras responsabilidades no país que condicionam às vezes a vontade de participar nesses convites. Mas em Cabo Verde é sempre muito mais fácil e seria uma honra para mim fazer mais al­guma coisa neste domínio.
Participou em dois projec­tos monumentais, as está­tuas de Baltasar Lopes e de Nhô Roque. Em qual deles se sentiu emocionalmente mais envolvido?
Da mesma forma. Figuras des­se tipo, independentemente das relações afectivas que pos­samos ter com eles e eu convivi com eles no mesmo tempo. O convívio era diferente, porque eram homens com uma dimen­são intelectual similar, mas tinham uma relação afectiva com o seu meio que se mani­festava de forma diferente. En­quanto quase não era preciso ir à casa de Nhô Roque para falar com ele, porque ele esta­va em todo o canto, em todos os momentos. Parava nas ruas, entrava na nossa Galeria Al­ternativa e convivia connosco. O Baltasar [Lopes] nessa épo­ca já dificilmente saia de casa; nós é que íamos ter com ele. Quer dizer, Nhô Roque estava muito mais presente na cidade, como figura viva. Nhô Baltas também, mas Nhô Roque es­tava sempre ali presente, nas ruas, na Matiota, etc. Essa era a diferença da relação afectiva que a cidade tinha, mas com a mesma carga emocional, por­que apesar de não vermos mui­tas vezes o Baltasar, sabíamos que ele estava lá, que estava a acompanhar. Aliás, até mais actuante que Nhô Roque a ní­vel da comunicação, a nível da escrita, etc. Mas acho que o en­volvimento é sempre o mesmo independentemente da relação afectiva, mais ou menos perto, para qualquer autor que acei­ta um desafio desses. É sem­pre uma honra, para mim, ou para qualquer outro, trabalhar uma obra relativa a um escritor nosso com aquela dimensão. O engajamento afectivo que nos dignifica é o mesmo em qual­quer intervenção.



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